quinta-feira, 16 de julho de 2020

E assim

Confúcio observava a catarata do rio Liu-liang, em que as águas se despenham de uma altura de trinta varas e criam uma corrente turbulenta e com espuma que se estende por quatro léguas. Nessa corrente, nem tartarugas gigantes, nem crocodilos, nem peixes conseguiriam flutuar.
De repente, viu um homem já idoso que nadava nela. Tomou-o por alguém que estaria em sofrimento e queria morrer e disse aos seus discípulos que fossem a correr pela margem para o tentarem salvar. Mas, algumas centenas de passos mais abaixo, o homem saiu da água por si mesmo. Tinha os cabelos longos e soltos e cantava enquanto caminhava sobre a areia da margem. Confúcio foi atrás dele e disse-lhe:
- Pensei que era um fantasma, mas agora vejo que é um homem. Permita-me que lhe faça uma pergunta. Tem algum método especial para conseguir deslocar-se assim na água?
- Longe disso, respondeu o homem, não tenho nenhum método.
Começou no precedente, cresceu na minha natureza e ficou perfeito no destino.
Mergulho no que é inteiramente plano e saio acompanhando o que é confuso.
Sigo o modo de agir da água e não um que seja meu.
É esta a razão por que me consigo deslocar nela.
- O que quer dizer com «começou no precedente, cresceu na minha natureza e ficou perfeito no destino»? perguntou Confúcio.
- Nasci entre estas colinas e senti-me em paz entre elas. Foi o precedente.
Cresci na água e senti-me em paz nela. Era a minha natureza.
É assim e não sei a razão porque é assim. É o destino.

Chuang Tse, tradução e comentário de António Miguel Campos, Lisboa, Relógio d'água, 2017, pp. 100-101 (XIX,10)

Nota: O título foi atribuído por mim.