domingo, 5 de julho de 2009

Descalço

"Vazio de andar descalço em cima da areia fina, descalço de infância, descalço de apalpões ingénuos por cima de soutiens pouco sofisticados. Descalço das memórias daquele bolo de anos que ficou com a marca do teu pé na cobertura de acúcar azul e descalço das velas que não conseguíamos acender, mesmo protegidos pelo pára-vento de pano gasto, durante aquela nortada. Descalço do mar picado, da espuma amarela e da chuva monótona de um Agosto cinzento, descalço da convicção de que tudo seria assim para sempre. Descalço dos jogos do mata quando a maré esvaziava e os sargaços tomavam conta de tudo; descalço da tijoleira fervida a que encostávamos as costas molhadas de sal, descalço das pernas que ficavam coladas, a minha e a tua, no banco de trás de um carro de que já não lembramos a marca, descalço das últimas labaredas da última fogueira do última madrugada do último verão; descalço das nossa solidões tão juntas. Descalço de um mundo que julgávamos não ter os espinhos que se nos cravaram nos pés."
Texto de FTA, colhido no blogue A Grande Loja dos Trezentos, em Abril de 2009
(talvez o primeiro texto de blogue que achei que devia ser salvo)

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